Cuba

Rafael Dupim
4 min readJul 21, 2021

Quando vejo essa foto sempre me pergunto se estava no centro ou na periferia de Havana

A chica de saia também me faz pensar,

Por um segundo penso que estás descalça, mas está de sapatilha. Tem pernas de atleta. Certeza que como todo mundo em Cuba tem saúde e dentes belos. Mas difícil saber. Seria ela enfermeira? Doutora em síntese do petróleo? Certo que conhece pouquíssimo sobre o Brasil, como a maior parte dos cubanos que conheci e que viviam entre o esclarecimento total (poucos), a alienação ou alguma ignorância de como são outras partes do mundo.
Mas carregam consigo o orgulho de pisarem em um lugar especial. Porque é a terra deles. E Berlim, NYC ou Madrid não carregam mais orgulho ou história, talvez equivalentes.
Os mais velhos viajavam, passavam férias em Cracóvia, hoje nascem confinados. Ainda assim, num paraíso tropical , onde o mar é limpíssimo e incomparável para mergulho, surfe e pesca. Há montanhas e planícies , ar puro e muito calor.

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Não é o lugar mais próspero do mundo. Os recursos são escassos. A cada furacão perde-se todo o pasto e ficam todos sem comer carne. Mas ninguém morre ou fica desabrigado. A música é maravilhosa e tocada ao vivo ou em fitas cassetes. Ganhei vinis de presente porque ninguém tinha agulhas. O som chega também das ondas de rádio da Flórida. O arroz com feijão nos faz sentir em casa. Pra economizar água e gás, o arroz é cozinhado na água do feijão e fica uma maravilha.
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Morar em centro Habana, onde me hospedei, é difícil. As pessoas criam gambiarras, se amontoam, vivem de modo precário mas agitado. Diferente das áreas rurais pacatas. Habana Vieja é um museu turístico onde se consome cerveja bucanero e charutos cohiba. Mas não é dos cubanos. É necessária pra economia.
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A medicina universal não acessa ressonâncias magnéticas; nem a comida carrega agrotóxicos. É cloro na água, atendimento familiar e vacina.
São por volta de 16 milhões de habitantes. Como a cidade de São Paulo. Todos os habitantes muito bem educados, com acesso a moradia e saúde e índices de desenvolvimento humano muito maiores que de seus vizinhos. Como é exaustivamente repetido.
Cuba tem ciência de ponta, indústria médica e farmacêutica desenvolvidas, indústria esportiva e de turismo de alto nível. É um paraíso natural e cultural. Tudo isso em um lugar com o tamanho da cidade de São Paulo
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Eu não tenho dúvidas, baseado nos indíces sociais, que sem o embargo seria uma economia desenvolvida comparável a lugares como a Finlândia. Também não tenho dúvidas que a gradual melhoria material traria a superação da ditadura.
É ditadura e se sente isso ao chegar no aeroporto. Também quando se surpreende com o status de policiais, um pouco abaixo de médicos e pouco mais que músicos, que também são valorizadíssimos. Mas nunca me senti tão livre pra caminhar em qualquer beco, qualquer rua, no Malecón a qualquer hora. Não há armas, não há crack, e tudo mais vem da vizinha Jamaica, junto com o feijão e outros grãos em pequenas embarcações que vivem a cruzar de Kingston a Havana.
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O embargo econômico mantém o povo cubano paupérrimo . Ele justifica a ditadura cubana. É a única forma de garantir que aquele povo não será varrido pela potência econômica americana. Não se transformará num misto de Puerto Rico e Haiti. As pessoas não serão removidas de sua terra pra dar licença a campos de golfe e resorts . Seus destinos não serão aglomerações nas vielas e periferias de Chicago ou Barcelona.
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Cubanos no livre mercado se tornariam, como todos nós latinos, reféns de uma economia do espetáculo. Espectadores alienados, consumindo o desejo de modos de vida yankees. Coniventes com a própria exploração.
E a comunidade cubana de Miami, mesmo com seus motivos, é passional e de Miami e não de Cuba, com ressentimento, milk shake e alto padrão de consumo. Estes salvariam seus parentes, esticariam seus quintais, mas não brigariam pelo direito de viver como querem todos os outros povos.
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Simplificar discursos libertários dizendo ser conta toda ditadura é ignorar que o avanço da águia de rapina compromete o curso da história. Ameaça a identidade própria e cessa o direito de recusar o individualismo, o cinismo e a ganância.

Em todo o mundo, imperialistas não combatem a pobreza e a violência. Cuba é perseguida por ousar ser independente e ter um povo orgulhoso de si.
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Como a paisagem que não diferencia ou discrimina por gênero , sexo , idade, classe, com a malícia, a ginga no caminhar bailado , eu aprendi tanto mais nos 40 dias que passei em Havana que esqueci que estive por alguns anos na Europa ou nos EUA.

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Rafael Dupim

Professor de Jornalismo, Arte, Comunicação, Cultura e Mundo Contemporâneo/FACHA